O que a pandemia, uma série do HBO Max e a caçula da Kim Kardashian têm a ver com design de interiores?

Em minha última reunião no escritório, foi falada uma frase que reverberou tanto a ponto de servir de inspiração para esse artigo: “o luxo, hoje em dia, não está no mármore travertino, mas na escolha de peças de qualidade que criem uma linha tênue entre o interior e o exterior”. 

Explico o contexto. Meu trabalho como designer me permite conhecer muitas pessoas e vivenciar um pouquinho do universo de cada uma delas para conseguir entregar projetos que traduzam seus estilos particulares e encantadores. Porém, como qualquer outro trabalho que envolva o público, é possível perceber repetições de padrões, aquilo que chamamos de tendência. 

E, nos últimos meses, os pedidos dos clientes estão se repetindo: a maioria busca aquela “sensação de casa de praia”, com itens de alta ou altíssima qualidade, mas sempre discretos, sem tanta opulência. Eles querem textura, luz e muito verde harmoniosamente distribuído em layouts simples e funcionais. 

Mas quando foi que trocamos o marmorizado polido pelo cimento queimado? 

É verdade que a tendência industrial lá de Nova York dos anos 1970 já batia novamente em nossas portas no mundo pré-pandêmico, mas nunca foi tão forte o desejo – ou, talvez, a necessidade – de se agarrar àquela folhinha de samambaia que há muito estava esquecida nas casas de nossas mães e avós. 

O contato com a natureza nos remete a nossos antepassados, à nossa própria origem. Sua essencialidade se demonstra por meio do que é capaz de fazer com o nosso organismo, liberando os hormônios do bem-estar, os mesmos que dão as caras quando praticamos atividades físicas e são uns dos responsáveis pela longevidade: a serotonina, a endorfina e a dopamina. 

Pessoas felizes esbanjando serotonina, endorfina e dopamina. Imagem meramente ilustrativa que não representa a minha realidade sedentária.

E é esse contato com a natureza que nos foi brusca e repentinamente privado durante a pandemia, quando nossos apartamentos deixaram de ser “casas-dormitório” e se transformaram em uma junção caótica de escritório, academia, escola, barzinho, etc. 

Nesse mesmo período, quem tinha o privilégio de ter uma casa na praia ou um parente que pudesse emprestá-la (um abraço para muitos pais, inclusive para os meus) pode usufruir daquele espaço destinado para as férias, mas teve de emanar alguns mantras depois de se submeter a um coworking com os pernilongos do quintal ou tentar encaixar seus pertences naqueles armários projetados para duas, no máximo três, semanas de convívio familiar intenso.

Na foto, um home office improvisado e 2 cachorras plenas curtindo o excesso de companhia e o maximalismo inevitável.

De fato, isso é absolutamente nada frente às tragédias experimentadas por tantos durante a pandemia. Porém, esses “perrengues chiques” despertaram o olhar para o interior de nossas casas. Quem pode viver alguns meses na praia, quer viver o ano todo lá, mas de forma prática e aconchegante. E quem não teve essa sorte, quer trazer um pouco daquele sentimento de conforto e despreocupação para o cotidiano. É como querer sentir aquele cheirinho de Sundown, mas sem ficar com areia até na alma. 

Essa ânsia de transportar o exterior para o interior acompanha a preocupação com a qualidade do que é escolhido. Mas como a qualidade, na maioria das vezes, é dispendiosa, o mobiliário maximalista típico da casa brasileira está sendo refinado – muitas vezes para destinar uma fatia mais generosa do orçamento para pisos, revestimentos e itens de acabamentos de alto padrão. E isso, minha gente, é o Quiet Luxury (ou “luxo silencioso” para aqueles que, assim como eu, preferem filmes dublados).

Está na contramão do consumo desenfreado. No entanto, como em tempos de Shein e Shopee, surge uma tendência como essa? Em parte, são os efeitos da pandemia. Mas não só. O luxo silencioso desembarcou primeiro na moda. O sucesso da série do HBO Max chamada “Succession” gerou inúmeros vídeos curtos no TikTok mostrando os looks dos personagens, direcionando a necessidade massificada de consumo para itens atemporais, discretos, de paletas neutras e confeccionados com materiais de qualidade superior (muitos deles de marcas de grife, inacessíveis para grande parte dos mortais). Isso, como quase tudo no TikTok, se tornou viral. 

E nessa onda, surfou mais uma criadora global de tendências: a Kylie Jenner, irmã caçula da Kim Kardashian, que anunciou recentemente a criação de sua nova marca de roupas de Quiet Luxury, com um precinho mais camarada (não é contraditório quando você analisa a renda das pessoas e o preços das peças).

Na imagem, o lançamento da Khy, nova marca da Kylie Jenner, com peças que não podemos adquirir, mas que fingiremos que não são o nosso estilo, porque é possível sofrer com classe.

O TikTok, a Kylie Jenner, os reels do Instagram, a Kate Minddetlon, os desfiles de moda, as séries, as exposições…são todos lançadores e/ou termômetros de tendências que se difundem em tudo nesse mundão globalizado que gira, gira, gira até parar em você salvando um print de tela de um influencer dando dicas de reforma de casa, indicando um piso acetinado em grande formato, na cor areia ou imitando cimento queimado, uma bancada de granito São Gabriel escovado com bastante textura, paredes claras e uma fachada abarrotada de samambaias. Aquelas mesmas que você planejou pegar sorrateiramente da casa da sua mãe (falando nisso, um abraço para a minha, que transformou o quintal dela em uma UTI para minhas plantas, inclusive para as sofridas samambaias). 

Finalizando com a foto de uma das minhas samambaias totalmente recuperadas na UTI que minha mãe montou no quintal dela. O estrago nas minhas plantas foi tanto que uma segunda UTI foi instalada no quintal da minha vó.